segunda-feira, 22 de junho de 2009

OS IDEAIS EDUCACIONAIS DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA

Gláucia R. Justo, Juliana Mesomo e Tiago Cortinaz

INTRODUÇÃO

Este exercício de pesquisa, realizado no marco da disciplina História da Educação no Brasil, tem como objetivo investigar, nos registros e documentos sobre o período da República Rio-Grandense (de 1835 a 1846), quais eram os ideais e projetos do grupo de pensadores e militares que levaram adiante a Revolução Farroupilha. Neste período a Província de São Pedro, atual estado do Rio Grande do Sul, esteve separada do Império brasileiro, proclamando ideais liberais e modernizadores, em contraposição às políticas e discursos da Monarquia brasileira, tida pelos revolucionários como opressora e atrasada.
As fontes consultadas foram bibliografia sobre o tema, como o livro “A Instrução Pública no Rio Grande do Sul (1770-1889)” e artigos sobre a educação pública no período revolucionário, além de consultas aos Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e ao próprio acervo do Arquivo (no compêndio conhecido como “Coleção Varela”, onde constam documentos, cartas e artigos do jornal “O Povo”, que é importante por ser um dos diários oficiais da República Rio-grandense, onde foram difundidos os princípios dos farroupilhas e os atos do governo.

A SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NA PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO

Com os jesuítas e suas escolas expulsos do Império brasileiro, A lei de 06 de novembro de 1772 cria escolas para o reino português e seus domínios, porém não inclui a Província de São Pedro. Iniciado o Primeiro Reinado, Dom Pedro, toma várias medidas em relação à Instrução: em 1823 decreta a reforma do ensino primário, estabelece a criação de uma escola de primeiras letras na Corte, onde se ensina pelo método Lancaster, ou mútuo. A Constituição de 1824 assegurava a gratuidade da instrução primária a todos os cidadãos e outra lei, que abrangia todo o país, em 1827, determinava que em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos haveria escolas de primeiras letras que fossem necessárias.
A Instrução Pública na Província estava em total atraso quando, por grandes descontentamentos, eclode o movimento revolucionário liberal, chamado “Farroupilha”. Havia, porém, no começo da década de 30, um grande interesse da Província em promover o desenvolvimento da educação na região, com algumas medidas tomadas, como contratação de professores e criação de aulas. Porém, os recursos e materiais humanos necessários eram escassos, quase inexistentes. Em 1834, através da Lei 16 do Império, de 12 de agosto, dá-se a descentralização do ensino primário e secundário, que é remetido à iniciativa das províncias, mas não há medidas paralelas quanto ao provimento de recursos, ficando essas decisões à cargo das administrações provinciais.
Com o advento do período revolucionário, iniciado em 1835, dois governos se constituem, um imperial e outro republicano, tendo ambos tomado medidas com relação à instrução do povo. Como veremos, o governo Republicano não se limitou a apenas manifestar premissas e decretar modelos amplos quanto ao sistema educacional, mas tomou medidas práticas, incentivando a promoção da educação.

CONJUNTURA

A Revolução Farroupilha está inserida dentro dos movimentos liberais que estão ocorrendo no Brasil e em toda a América, com as independências das antigas Colônias Espanholas se consolidando e inspirados pela influências do ideário europeu de esclarecimento, igualdade, liberdade, disseminado pelo triunfo da Revolução Francesa.
As elites rio-grandenses estavam descontentes com o Império há longa data, por várias questões, devido a todos os conflitos no Prata, os Imperiais usavam o maior contingente da província de São Pedro, sendo que os gastos ficavam, na maioria das vezes, por conta dos comandantes locais. Os produtores eram fortemente taxados, havia o imposto sobre a carne, o couro, o charque e a légua de campo, atingindo toda a elite local e aumentando o descontentamento.

Devido a esses descontentamentos e a crescentes tensões, no dia 20 de setembro de 1835, eclodiu a Revolução Farroupilha, que não era inicialmente separatista, somente se
desligando do Império e proclamando a República Rio-grandense no dia 11 de setembro de 1836, pelo então Coronel Antonio de Souza Neto, sendo eleito para presidente o Coronel Bento Gonçalves da Silva. O primeiro ato do presidente foi organizar provisoriamente as Secretarias de Estado (a do Interior, da Fazenda, do Exterior, da Guerra e da Marinha) e passou a tomar providências para o desenvolvimento da vida rio-grandense.

OS IDEAIS EDUCACIONAIS DOS REVOLUCIONÁRIOS FARROUPILHAS

Iniciaremos com o que diz na Constituição da República Rio-Grandense sobre a educação:
“A constituição também assegura e garante:
2 – A instrução primária, e gratuita a todos os cidadãos.
3 – Colégios, Academias e Universidades, aonde se ensinem as Ciências, Belas Letras e Artes”


O modelo de educação almejado pelos revolucionários, ainda que inspirados pelos mais nobres intentos republicanos, não deixava de ter caráter seletivo e elitista, como podemos ver pela gratuidade assegurada apenas para o ensino primário. Para a doutrina liberal do período isso não se apresenta totalmente estranho e, além disso, os grupos que levaram à cabo tal revolução eram as oligarquias detentoras de terras e meios de produção da época.

O Ministro de Estado dos Negócios do Interior, Fazenda e Justiça, Domingos José de Almeida, em agosto de 1838 enviou ofícios às câmaras municipais, que evidenciam a preocupação dos republicanos com a situação educacional rio-grandense:

“Convencido o Governo da República que só por meio da difusão das luzes e da moral é que podem prosperar e robustecer os Estados como este, baseados nos princípios representativos; e tomando em consequência por aquele motivo na mais séria consideração a educação e instrução da mocidade rio-grandense, inteiramente derrocadas em todos os pontos do Estado pelas vicissitudes de uma guerra de três anos qual a que sustentamos contra os opressores de nossa liberdade e independência; determina que V. Mcês., pondo em vigorosa ação o patriotismo e mais qualidades que o distinguem, façam instalar provisoriamente com a possível brevidade de tantas escolas de primeiras letras quantas forem as povoações ou lugares notáveis do seu município , provendo-as logo de mestres idôneos, morigerados e instruídos (...) igualmente lhes arbitrarão ordenados adequados, dando de tudo parte ao Governo por esta repartição para inteligência e assentamento no Tesouro”

Nestes trechos de cartas vemos o peso que os revolucionários colocavam na educação dos jovens para a formação moral da nação, para o estabelecimento de valores democráticos e republicanos: “V.S. é pai e além disso estou que perfeitamente conhece o quanto influe nos costumes das nações a instrução e educação da mocidade. A nossa se vê em total abandono, e se não reparamos de pronto esse mal certamente nossos vindouros lançarão em rosto esse crime”; “(...) porque todos estão persuadidos de que o Governo, apesar das peias que lhe põem os sucessos da guerra não omite diligências para estabelecer fundamentos verdadeiros do Republicanismo, que se escoram na ilustração e na moral; dando o exemplo na prática e na doutrina”; “(...) sem a difusão do ensino primário não podem germinar a agricultura, o comércio, as artes, as ciências, e o que é mais que tudo ainda – a Liberdade”.

Para os farroupilhas a verdadeira revolução significava mudança significava mudança da sociedade, que só seria conseguida através do desenvolvimento cultural do povo, por meio de uma autêntica educação republicana. Além disso o destinatário final dos sucessos da educação e do regime republicano é “o povo” (com a ressalva de que, como se sabe, nem todos os habitantes do Rio Grande do Sul fossem tidos como cidadãos plenos):

“A República é para nós uma absoluta necessidade. Porém nós sabemos mui bem que q multidão, a quem o instinto político revela, como o excelente entre os governos, o do Povo, não pode de um golpe, abranger toda sua vastidão, calcular todas as suas vantagens, e compreender todos os seus deveres. Para isso se necessita uma verdadeira educação Republicana, a qual somente um governo verdadeiramente Republicano pode dar, e deve ativamente promover.
Uma revolução feita em nome da Republica, importa alguma coisa mais que a mudança das formas governamentais. Os tempos exigem muito mais. Revolução, presentemente, é inovação em todas as molas sociais e seu objetivo supremo, essencial – O POVO – O Povo que necessita conhecer todos os seus direitos para sabê-los defender com nobreza, que necessita aprender quais são seus deveres çara sabê-los respeitar e cumprir.”

Com as palavras “Sendo do dever do Governo fomentar por todos os meios ao seu alcance o ensino primário da mocidade rio-grandense(...)” o mesmo Ministro Domingos José de Almeida faz nesta carta à Bento Manoel Ribeiro o que se observa em vários outros documentos: o Governo Republicano solicita, autoriza e exige medidas como pagamento de professores, compra de materiais escolares, cobrir aluguéis de salas e prédios destinados a aulas, indenização de gastos das administrações municipais com educação e instalação de comissões de investigação sobre as condições do sistema de ensino no Rio Grande do Sul. Segundo o Jornal O Povo, a quantidade de jovens freqüentando a escola nas cidades sob administração republicana era de 280 (Caçapava, São Gabriel, Piratini, Rio Pardo, Cachoeira, Sant’Ana da Boa Vista e São Borja), além das cidades em que os dados ainda não eram conhecidos (Alegrete, Itaqui, Santana do Livramento, Cruz Alta, Lages, Santa Maria da Boca do Monte, Encruzilhada, Bagé, Setembrina e Mostardas). Além disso, o governo republicano tomou medidas para a criação de um Gabinete de Leitura, que deveria ser o inicio de um Biblioteca Pública, “onde reunidas as obras do Estado existentes possam nossos Concidadãos consultar as matérias que lhes forem mister” (ofício enviado por Domingos José de Almeida ao coordenador da comissão de arrecadação das obras).

CONSIDERACÕES FINAIS

Embora as noções de educação, república e democracia tenham evoluído e mudado muito desde a Revolução Farroupilha, e não são a sua visão moralista e classista que está em questão (inclusive dado o contexto sócio-histórico no qual estavam inseridos). Temos, sim, que considerar a força e autenticidade de seus preceitos, quando tomam a educação como essencial para a construção de uma verdadeira Republica participativa.
Cercado de jovens Repúblicas que se consolidavam, a breve República Rio-Grandense almejou uma verdadeira independência dos velhos regimes imperiais, opressores, atrasados, a qual só viu-se realizada (e, ainda assim, por meios que excluíram boa parte dos agentes do país) meio século depois. Retornando aos autênticos intentos de independência dos territórios brasileiros, como o da Revolução Farroupilha, podemos perguntar-nos porque ainda não chegamos a tal vigor republicano. Os textos dos liberais revolucionários nos dão algumas pistas: a democracia não se trata simplesmente de um regime político, senão que diz respeito a uma cultura, cultura democrática, de participação, que só será plena no momento em que a população tiver acesso total aos conhecimentos, quando for dada a atenção suficiente ao sistema de ensino público.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

O POVO. Piratini, n. 32, 19 dez. 1838. Edição fac-similada da Livraria do Globo, 1930.
O POVO. Caçapava, n. 92, 14 ago. 1839. Edição fac-similada da Livraria do Globo, 1930.

SCHNEIDER, Regina Portella. Instrução Pública no Rio Grande do Sul 1770-1889. Porto Alegre: UFRGS, 1993.

ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL, Anais. Porto Alegre, Vol. 1; 2; 3; 4; 5.


Nenhum comentário:

Postar um comentário